Este, o auto-retrato de Bertolt Brecht, quase tão pessimista (outros chamar-lhe-iam realista) como o de Bocage: "Já Bocage não sou...".
DO POBRE B. B.
Eu, Bertolt Brecht, venho da Floresta Negra.
Minha mãe, quando ainda andava no seu ventre,
Levou-me para a cidade. E o frio da floresta
Estará dentro de mim até que na morte eu entre.
Nas cidades de asfalto estou em casa. Desde o início
Abastecido com os últimos sacramentos:
Jornais, tabaco e aguardente.
Desconfiado, contente e preguiçoso até ao fim.
Sou gentil com as pessoas. Uso
um chapéu de coco porque é costume andar assim.
Eu digo: estes animais têm um cheiro estranho.
E digo: isso não importa, eu também tenho.
Pelas manhãs, na minha cadeira de balouço
Uma mulher ou outra às vezes faço sentar
E observando-a calmamente lhe digo:
Em mim você não deve, você não pode confiar.
À noite, alguns homens reúnem-se à minha volta
E entre nós “gentlemen” é o tratamento vigente.
Colocam os pés sobre minha mesa
E dizem: tudo vai melhorar. E eu não pergunto: – quando ?
Na luz cinzenta da aurora mijam os pinheiros,
E seus parasitas, os pássaros, começam a gritar.
Por esta hora na cidade eu esvazio o meu copo,
Deito fora o charuto e vou dormir, inquieto.
Geração leviana, vamos viendo em casas
Que acreditávamos indestrutíveis. (Assim
Construímos caixotes na ilha de Manhattan
E as antenas compridas que conversam por cima do Atlântico. )
Dessas cidades, o que restará? O vento que por elas passa!
A casa faz o hóspede alegre, este esvazia-a.
Sabemos que somos provisórios e que depois de nós
Nada virá que valha a pena mencionar.
Nos terremotos do futuro eu espero
Não abandonar os meus charutos, nem achá-los amargos.
Eu, Bertolt Brecht, que fui trazido às cidades de asfalto,
vindo da floresta negra, no ventre de minha mãe, anos atrás.
***************************************************************
Mas... as mães têm um olhar colorido de rosa amor elevado. Podemos imaginar-nos aquela mãe que o trouxe no seu ventre até às cidades. A mãe não o veria assim, mas talvez desta outra maneira.
Poderia ser este o retrato do filho, feito pela sua mãe:
DO NASCIMENTO DE UMA ESTRELA:
Tu, Bertolt Brecht, trazido da Floresta Negra.
Por mim, tua mãe, quando inda andavas no meu ventre,
para a cidade. O verde da floresta
Estará dentro de ti até que o sol te eleve junto aos cumes.
Nas cidades de asfalto também estás em casa. Desde o início
Abastecido com os sagrados sacramentos:
amor, glória, inocência.
Derramado em fé, contente e talentoso até ao fim.
Gentil com as pessoas. Usas
um chapéu de rei porque é teu direito.
Eu digo: estas pessoas um dia acordarão.
E digo: e verão meu filho sentado sobre o sol.
Pelas manhãs, na minha cadeira de balouço
Uma mulher ou outra às vezes faço sentar
E observando-a calmamente lhe digo:
O melhor que te desejo é que tenhas um filho como o meu.
À noite, alguns homens reúnem-se à minha volta
E entre nós amor e vénia é o tratamento vigente.
Colocam-se aos meus pés como sempre fazem
E dizem: honrada serás tu entre as mulheres por seres sua mãe.
Na luz dourada do crepúsculo respiram os pinheiros,
E seus habitantes, os pássaros, começam a cantar.
Por esta hora na cidade eu esvazio o meu chá,
Fecho a janela ao pôr-do-sol e vou dormir no meu trono de mãe.
Geração de mim, vamos alicerçando as casas
Construímos crenças indestrutíveis. (Como altares
Na ilha de Manhattan
E as antenas suspensas por anjos acima do Atlântico. )
Nessas cidades, quem habitará? A tua voz que por elas passa!
A casa faz o hóspede alegre, tu conferes-lhe uma alma.
Sabemos que somos grandes e que depois de nós
Apenas a tua memória, meu filho.
Nos paraísos do futuro eu espero
Ver teu nome inscrito nos portais, e achá-los belos.
Por ti, Bertolt Brecht, trazido às cidades de asfalto para as elevar,
Vindo da floresta negra, no ventre de tua mãe, anos atrás.
(Adaptação por RCPP)